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Manuel Borja-Villel em Buenos Aires: O ex-diretor do Reina Sofía “transformou o museu”

Manuel Borja-Villel em Buenos Aires: O ex-diretor do Reina Sofía “transformou o museu”

Hoje, terça-feira, às 15h, o ciclo "Deslocamentos", organizado pelo Centro Cultural da Espanha em Buenos Aires (CCEBA), a Fundação Williams , o Project Office, o Moderno, o Central Affair e La Escuelita, receberá uma figura de destaque do mundo das artes: Manuel Borja–Villel .

Reconhecido internacionalmente não apenas por sua gestão do Museu Reina Sofía , aplaudido por vários grupos e criticado por outros, mas sua visão inovadora e seu compromisso com a transformação dos museus não deixaram ninguém indiferente no mundo da arte.

"Deslocamentos" abre espaço para reflexão e debate sobre a prática curatorial e modelos institucionalizados de atuação artística. Mas a apresentação de Borja Villel é ainda mais disruptiva: convida-nos a habitar o museu . Este é o título da sua apresentação.

O encontro entre Manuel Borja Villel e a curadora local Jimena Ferreiro busca revelar o que significa habitar um museu. “ Habitar um museu implica que a sociedade se aproprie dele , entendendo-o como um espaço de experimentação institucional, ou seja, um lugar onde nossos maiores desejos e nossos piores horrores são negociados. E, assim, podemos inventar outros universos.” É assim que ele o define.

Numa reflexão muito interessante, entre muitas outras, Borja Villel diz: “As exposições nos centros de arte abundam em termos como descolonização, restituição, redistribuição, direito à recusa, performatividade, etc. No entanto, estes mesmos centros, independentemente da boa-fé dos seus gestores, têm grandes dificuldades em descolonizar as suas estruturas e iluminar formas alternativas de organização .”

E acrescenta: “ Não se trata de entrar no sistema, mas de sair dele . Em vez de chegar ao museu, devemos incentivar um êxodo dele. Descolonizar não significa apenas restaurar. Significa consertar e curar. A reparação não pode vir daqueles que causaram o dano. São as pessoas que sofreram a desapropriação que decidirão o que fazer e como fazê-lo. Não basta renovar o museu. O mais importante é imaginar, a partir de suas ruínas, outras histórias, mecanismos e formas de organização.”

Esta é a conversa que tivemos com o curador espanhol um dia antes de sua apresentação.

Manuel Borja-Villel. Arquivo Clarín. Manuel Borja-Villel. Arquivo Clarín.

– Nas últimas décadas, tem-se falado muito sobre a criação de museus mais próximos das comunidades, mas ninguém se manifestou. Não encontramos nenhuma ruptura marcante na narrativa. Por onde começamos a transformar isso?

– Sim, é verdade que, há várias décadas, há uma série de histórias, narrativas que têm a ver com descolonização, com identidade, com aproximação com as comunidades, com pensar espaços de diálogo, ou como quisermos chamá-los. Isso, muitas vezes, fica apenas no discurso, nos depoimentos, na história, mas não muda as instituições. De fato, vemos que no mercado — que é voraz e absorve absolutamente tudo —, cada vez mais, nas grandes feiras, predominam temas que têm a ver com o que estamos falando, com predominância de artistas afrodescendentes ou indígenas. Lembre-se de que um dos orgulhos de Adriano Pedrosa, diretor da última edição da Bienal de Veneza, era que 85% dos artistas apresentados nunca tinham estado lá antes ou não eram de origem europeia. A Bienal de Veneza era sobre não sair da linha, e ela reflete bastante isso. Isso está lá e tem vida própria, tem interpretações, não é algo morto. Mas como diretor de museu, e agora neste programa "Museu Habitat", que dirijo, meu interesse é sempre questionar as instituições.

Sabemos, desde Deleuze e Guattari, que não existe processo revolucionário ou de resistência onde as instituições possam ter autonomia radical, ou onde possam ser radicalmente transformadas, se não houver um processo substitutivo. Para Deleuze e Guattari, não se trata primeiro de revolução e depois de mudar as instituições; trata-se, sim, de tudo. Isso muitas vezes não acontece no sistema de arte, especialmente em museus, como o elemento mais representativo de um sistema. Por quê? Às vezes porque a capacidade de absorção do sistema é muito ampla, ou porque acreditamos que as declarações mudam as coisas, mas também porque idealizamos pessoas e coletivos (artísticos). Não se trata de imaginar que curadores, comissários e artistas podem simplesmente fazer coisas. A cultura é um campo de batalha, como a extrema direita entende perfeitamente. De fato, na Espanha, diz-se, em tom de brincadeira, que a direita lê Gramsci mais do que a esquerda. Então, nesse sistema, nessa batalha cultural, algumas são declarações, mas também tem a ver com políticas estruturais e micropolíticas. Em nível estrutural, as instituições — pense nos Estados Unidos — costumavam ter a liberdade de criar exposições e discursos, desde que as próprias instituições não fossem alteradas.

Prefiro a questão da micropolítica. Muitas vezes, queremos trabalhar em comunidades, de forma horizontal. Mas também temos uma certa ideia de competitividade, de originalidade, onde queremos compartilhar, mas também queremos ser os primeiros. Portanto, essa micropolítica exerce violência sobre os corpos que ali existem. No meu texto "Autônomos e Conectados", uma das propostas é democratizar as instituições. Em muitos níveis, esse trabalho é essencial se não quisermos que tudo isso se torne mera retórica, uma nova tela para um sistema que vem mudando constantemente desde o século XVI.

O renomado curador espanhol Manuel Borja-Villel falará em Buenos Aires. Foto: arquivo Clarín. O renomado curador espanhol Manuel Borja-Villel falará em Buenos Aires. Foto: arquivo Clarín.

–O que o público procura quando entra em um museu hoje em dia, além de ativistas radicais que atacam obras de arte?

– Primeiro, devemos fazer uma distinção. Um museu não é uma coisa única. Um museu é uma estrutura de poder altamente refinada no mundo ocidental desde o século XVIII, claramente com todas as transformações pelas quais passaram os museus de belas artes, museus enciclopédicos, museus de arte moderna, bienais, etc. São estruturas que surgiram com grandes exposições, começando em 1851 com a Expo de Londres, e sua missão era a propaganda, para refletir o mundo ocidental como civilização, cujo raciocínio era universal e deveria se aplicar a todos; e também era a ideia de promover um tempo específico, sequencial, progressivo, como forma de alcançar o progresso. Esse raciocínio eurocêntrico é muito conveniente. E também ajuda a separá-lo da violência de origem colonial, como a Palestina, por exemplo, e, ao fazê-lo, dá a impressão de que os problemas estruturais de um determinado sistema podem ser aberrações, mas superáveis. Nesse contexto, a instituição museológica é um elemento altamente refinada e faz parte de uma estrutura privilegiada. Mas também não é algo fechado; ela muda e é ocupada por pessoas. Essa ocupação pode ter um resultado ou outro. Essas controvérsias radicalizadas mostram que a sociedade é mais complexa e há muitos públicos.

–O que esses públicos buscam além do público padrão do sistema artístico?

– Eu diria que eles buscam elementos essenciais, por exemplo, o museu como um exercício de imaginação radical. Numa era em que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo, como disse Margaret Thatcher, ter lugares onde possamos imaginar outras formas de vida, de coexistência, de relacionamento com o não humano é muito importante. Também é verdade que a pressão do mercado recai sobre as indústrias culturais. Há a indústria do turismo, feita para o consumo. O consumo é o completo oposto da imaginação radical; é ter uma marca, é reconhecer, não saber. É ir a um museu e ver um Picasso, e pronto. Mas não se trata de pensar sobre o que aquela obra de Picasso está tentando nos dizer. Ela nos fala sobre a República, o Vietnã ou Gaza? Ela nos desafia? Essa tensão existe. Há uma tensão entre um sistema que pressiona o consumo e grupos de pessoas que buscam algo diferente. Acho que esse exercício de imaginação radical é importante. É por isso que os museus têm um papel central e uma responsabilidade ética que não existiam em outras épocas.

E outro elemento fundamental nos museus, em sentido amplo, é que eles são um lugar onde os horrores das tragédias da nossa sociedade podem ser negociados. Foi o que o teatro grego clássico fez, onde a catarse ocorreu, assim como acontece em outras culturas. Há muitas iniciativas diferentes vindas de diferentes grupos de pessoas. São elas que buscam esperança no mundo da arte. O terceiro elemento é a agência, que significa precisamente habitar o museu. O público deve tornar suas as histórias do museu. Como isso é feito? Como na tradição oral. A oralidade leva aqueles que ouvem uma história a repeti-la e, ao repeti-la, a apropriam e a transformam, gerando um conhecimento coletivo que pertence a todos. Assim, o museu é aquele lugar de refúgio onde o público pode construir sua própria agência e sua própria memória, e esse terceiro aspecto é muito importante.

Isso implica fazer coisas que os museus enciclopédicos ocidentais não podem fazer. Esses museus são baseados em fatos, documentos, objetos, etc. Mas há outros públicos que falam, pensam e imaginam. É possível ler uma história que não foi escrita? É possível lembrar o que não aconteceu? Por exemplo, as histórias de pessoas de ascendência africana que não puderam ser escritas, ou aquelas de povos que morreram por genocídio ou um sistema estruturalmente violento. Pode um descendente de escravos que não teve história reconstruir o que nunca existiu? Esses elementos rompem com a estrutura do museu ocidental baseada na representação de uma história única, na qual aqueles que não fazem parte dela são condenados à inexistência. Esses dispositivos são muito limitados para um mundo que se tornou muito complexo. Na minha opinião, essa transformação é o que a sociedade está exigindo das instituições museológicas hoje.

– O que sua experiência no Museu Reina Sofía contribuiu para essa nova narrativa?

– A isso, devo somar meu trabalho na Fundação Tàpies e este projeto “Museu Habitacité” em Barcelona. Este ano, em primeiro lugar, no Reina Sofía, o que fizemos foi democratizar a instituição. Uma das coisas que impossibilitam a mudança são os procedimentos administrativos, que são como uma camisa de força. O que fizemos foi alcançar um maior grau de autonomia de gestão, leis próprias e, em vez de depender do Ministério da Cultura, ter maior flexibilidade, um alto nível de democracia e muito pouca interferência do poder político. Durante esses anos de gestão, alcançamos um aumento exponencial de visitantes, um aumento de recursos públicos, embora não espetacular, além da decisão de colaborar radicalmente com outros grupos. Outro elemento é entender que se trata de um espaço público, europeu, e que responde a ideias que têm suas origens em um museu enciclopédico. Tivemos a oportunidade de trabalhar com outros grupos e nos sustentar por meio da solidariedade e da colaboração com grupos que estão se aproximando radicalmente do museu. Nesse sentido, foi criado o Museu na Rede, e foram estabelecidas colaborações com a Rede de Conceptualismos do Sul, com a Internacional (instituições europeias), com o Instituto de Imaginação Radical, criado dentro do próprio museu, e com a Fundação Commons, criando assim, com todos eles, outra forma de governança que se relaciona com os bens comuns. Uma instituição é pública, mas não tem nada a ver com os bens comuns. Isso trouxe avanços significativos com um centro de estudos e um programa de atividades.

O terceiro ponto tinha mais a ver com o aspecto artístico. Na Coleção, procurou-se situar o Reina Sofía em um lugar específico. É um museu situado em uma época específica, em um sistema artístico muito específico: o espanhol. Nesse sentido, fica claro que é o grande museu da Transição, do que significou na Espanha, com seu sistema artístico que moldou uma série de ideias em que alguns artistas apareceram e outros não. Tratava-se de reconhecer a memória histórica, de trabalhar com o exílio. Quando cheguei ao Reina Sofía, praticamente não havia obras de artistas exilados. E, por outro lado, trata-se de ir além, de entender que existe uma linguagem da diáspora que não responde aos parâmetros estabelecidos pela academia. E tudo isso tem a ver com repensar temas relacionados à descolonização. Tudo isso estruturou a Coleção.

Outra coisa que fizemos foi considerar os dispositivos: propusemos uma articulação entre vários elementos, num exercício quase arqueológico, buscando entender como os objetos eram explicados na época em que os artistas os criaram, quais eram suas intenções e considerar aqueles que os viram. Então, contrastamos isso com o presente. É importante conectar esse exercício histórico com o presente. Outro elemento é que a obra de arte tem vida própria, e é por isso que ela nos atrai repetidamente. E, no entanto, sou acusado de ser político e de não ver obras de arte. Mas é exatamente o oposto: a arte tem vida própria, o que cria uma tensão entre essa investigação histórica e o presente, onde a obra de arte não se encaixa em nada.

O renomado curador espanhol Manuel Borja-Villel falará em Buenos Aires. Foto: arquivo Clarín. O renomado curador espanhol Manuel Borja-Villel falará em Buenos Aires. Foto: arquivo Clarín.

– Na Europa, vários museus discutem o tema da descolonização e da migração, mas não incluem as perspectivas dos colonizados ou dos migrantes. Como podemos integrá-los?

– Na Europa e nos Estados Unidos, muitas questões se relacionam com questões subalternas, mas onde estão os subalternos? É mais fácil para um museu no Norte estabelecer relações com uma comunidade no Senegal do que com os próprios senegaleses que vivem na esquina. E isso acontece frequentemente, na Europa e nos Estados Unidos, com uma exposição trazendo artistas de Gana, Afeganistão ou de qualquer outro lugar, mas os cidadãos desses países têm seus vistos constantemente negados. É muito complicado para eles. Não há resistência possível, e não há declaração radical se não for acompanhada por um processo inclusivo de mudança estrutural. E, nesse sentido, os museus precisam sair de suas zonas de conforto. Os museus são especialistas em criar estruturas que excluem.

–Como podemos habitar o museu trazendo as questões mais urgentes do nosso tempo para o debate público?

– Como eu dizia, o sistema artístico em que nos encontramos deveria se orgulhar de ser inclusivo, mas a verdadeira batalha não é tanto atrair pessoas para o museu, mas sim fazer com que o museu saia, no sentido ontológico do termo, para que haja um êxodo de certas categorias, de certos conceitos e, portanto, para que esses elementos — memória, história, imaginação radical — sejam verdadeiramente possíveis. Essa concepção situada do conhecimento implica que devemos ser capazes de vê-lo a partir do presente. Não é um anacronismo. É importante entender que os artistas da década de 1970 estavam em um determinado sistema e que esse sistema ainda está em vigor. A questão não é tanto apontar o dedo e manter o debate emocional; a questão é entender que existe uma estrutura que perdura no presente.

– Especificamente na arte, não nos educamos em valores cívicos, mas sim na acumulação de obras com foco no mercado. Como podemos influenciar esse padrão?

– A educação é mútua, baseada na aprendizagem e no antagonismo. É verdade que esta estrutura museológica se baseia em certas ideias. Uma delas é a propriedade, a acumulação de tesouros. Esta forma de compreender coleções está em total desacordo com a aprendizagem de outros valores. Por um lado, pensa-se que cultura é sobre possuir coisas. E não é. Cultura é sobre dar, é sobre aprender e, consequentemente, esta ideia tão forte de que o museu é propriedade, disfarçada de patrimônio, é um obstáculo fundamental à mudança. Assim como a incapacidade de afirmar o direito à cultura.

Manuel Borja Villel básico
  • Doutor em Filosofia, historiador da arte, formado nas universidades de Valência, Yale e Nova York.
  • Sua carreira não deixa ninguém indiferente: dirigiu o Centro de Arte Reina Sofia até 2023, durante 15 anos. Antes disso, foi responsável pelo MACBA em Barcelona e, ainda antes disso, pela Fundação Tàpies.
  • Depois de deixar sua marca este ano no Centro Pompidou, em Metz, França, com a exposição Cartografias para um Outro Futuro, e na 35ª Bienal de São Paulo, no Brasil, em 2023, com Coreografias do Impossível, o governo catalão o nomeou para liderar o Projeto “Museu Habitat”, que visa descolonizar o sistema museológico catalão.
Clarin

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